sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

[O meu corpo sempre foi um areal]

«Sirvo para que as coisas se vejam»
Sophia de Mello Breyner Andresen


O meu corpo sempre foi  um areal
que suga as coisas que avista 
Os olhos iludem-no e chegam primeiro a tudo 
ao real sossegado e até mesmo móbil -
a rua a árvore o galo o telhado a vaga -
uno-me a eles (depois de se entranhar o olhar) 
com uma investida longa a partir da língua
passo-os depois pelos braços  pelas coxas
relambo-os como se fossem um sexo a pedir 
isto para ser perfeita a comunhão
isto para lhes dar uma existência completa
como linguagem durável e semelhante a mim

E à saliva que tenho cá dentro da boca fechada
apetece perdidamente apoderar-se do mundo 
mas eu sou só o íman para que todas as coisas se vejam
através do que digo e fico deliciada a ouvi-las quentes
a saírem de mim cheias de uma velocidade conversiva  
Referências vivas que me ouvem como se fosse uma Mãe.

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