sábado, 25 de janeiro de 2014

[Estas palavras querem falar com outras palavras]

Estas palavras querem falar com outras palavras
nem que as outras palavras não se abram em flor.
Estas palavras distinguem-me dos animais.
Mas estas palavras estão desesperadas por entrar
no rasto do teu pólen   por selvagens sugarem 
da tua boca as tuas palavras estagnadas.
Envolvo-as em água e    limpas    estas palavras dizem 

que é bom tê-las na boca só para ti. Pedem em silêncio
que as aceites  calado sobre o teu corpo armadura.
Estas palavras são abelhas e outras ameaças.
Mas mesmo assim quando puderes
com essas outras palavras que guardas na garganta
como ossos atravessados    responde-lhes
com a tua língua de terra e rio    acalma-as.
Podes também soterrar as minhas palavras se preferires.
Concede a força das pedras pesadas que rolam pelo monte
às tuas palavras engasgadas. Instala-lhes revolta.
Se as engolires  tornam-se irremediavelmente daninhas
maculam o teu caule duro de homem-flor.
Di-las como se ainda não estivessem amargas
como se ainda me pudesses querer toda ou mesmo nada.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

[Tantos títulos vizinhos em diálogo]

Tantos títulos vizinhos em diálogo
a lutarem na estante como se me assediassem
sem mais nem quê... Ou serei eu as vozes?
Ouço: « -Estás ao meu lado?» -
diz a Tabacaria a Sinais de Fogo -
E eu peço-lhes permissão para imaginar
um diálogo improvável. Diz o primeiro, engenheiro:
«-Nunca pensei poder incendiar-me assim 
só por te ter tão rente à capa...vem, grande Sena,
consumir-me todo» - ao que responde o professor
poeta: «- Nestes sinais entrego-te a minha vida. 
Também eu deito tudo para o chão
 como tu tens deitado a vida...»

E todos os títulos me parecem sábios, velhos
e boa companhia   mesmo cobertos de pó
Eu mesma o constato antes de ir para a cama
pois   como sempre    espreito-os nas prateleiras
do meu escritório a fim de me certificar
de que ainda há muitos por ler
de que ainda há muitos inexistentes no meu cérebro
e pacientes aguardam a minha escolha
a minha miopia crónica   os meus olhos
cada vez mais baços para as letras -
tenebrosa infelicidade para a leitora
tão acesa e faminta que fui fazendo de mim -

E independentemente de ser dramático
eufórico poético  risível  ou   sério
eu amo sobretudo qualquer título pousado
verticalmente na estante   esguio   discreto
que apenas se entrevê à luz do candeeiro fraco
E sei que só por pertencer a uma lombada
e essa lombada a um livro e esse livro a um autor
o ouço como se fosse o amigo mais fraterno
e pego-lhe nas mãos como se fosse eu a consolá-lo
Só compro títulos de amigos espirituais ou familiares
Pago-lhes para serem a outra voz com que falo
e pagaria o dobro nessa transacção   sem hesitar

Preciso que essas vozes fraternas me atormentem
Salsugem    O Medo    oh Al Berto meu querido insano
que as vozes me dobrem a alma a meio   me sacudam
oh Herberto d' A Cabeça nas mãos  Herberto das Servidões
Tu    mais que ninguém    serves-me a poesia a escaldar
ferves nas minhas veias com A faca não corta o fogo

Mas também quero vozes que me abracem com
O nome das coisas És tão funda  Sophia  como mar
E o meu anseio de que me preguem rasteiras
de que me façam cair e sangrar dos joelhos na leitura
de Uma cidade com muralha oh denso Daniel Faria
e  a seguir o desejo de que os Poemas de Deus e do Diabo 
me cuspam em cima   desolados    ou então   me beijem
para que de estômago contraído e   sem outro fim excessivo
adormeça a repetir Onde vais, drama-poesia?
adormeça a repetir os títulos das estantes brancas como LLansol.