quarta-feira, 12 de março de 2014

[O inferno é o meu máximo dizes tu]

«o inferno é o meu máximo»
Clarice Lispector
O inferno é o meu máximo  dizes tu
E eu à porta desse antro não sei se entre
Fecho a vista    pontapeio o pó da enseada
e a minha tentação de ver é a mesma que a tua
Nunca duvides disto que te digo Clarice
É um desejo violento de saber mais
de sentir o extremo
que me arrasa os rins  me provoca um vómito lento
este é o meu inferno   feito da tua mesma agonia
E eu entendo que fermento um movimento interior
e rectilíneo para o mal
Sei que desalojo a sílaba benigna e dou guarida à infame
que levo as letras muito acima do juízo dos outros
e faço delas a minha mortalha para a beleza da morte
uma morte alta muito acima das calçadas
sem querer saber dos que deixo dos que me amam sempre
quero simplesmente a boca a distender-se cheia de vogais
e o queixo caído para esse diabólico espanto
mesmo a apontar para a cova de meu comprimento exacto
carregada de consoantes mudas que me estoiram na cabeça
Mas não te enganes com o que digo
anseio essa terra sobre o corpo pronto para o êxtase do receber
Sinto sim que
o que aprendo e sorvo da linguagem a que chego a custo
me prepara para os outros confins  
da minha língua
e deste ar grego e pátrio que respiro
Não pretendo o paraíso feudal de qualquer sabedoria academista
Quero é mesmo ajoelhar-me perante o meu máximo instinto
endiabrar-me nesse teu inferno que também é o meu
resumido ao meu íntimo    preenchido de pasmo e fogo
essa ardência interior em que não consigo permanecer ainda.