Tantos títulos vizinhos em diálogo
a lutarem na estante como se me assediassem
sem mais nem quê... Ou serei eu as vozes?
Ouço: « -Estás ao meu lado?» -
diz a Tabacaria a Sinais de Fogo -
E eu peço-lhes permissão para imaginar
um diálogo improvável. Diz o primeiro, engenheiro:
«-Nunca pensei poder incendiar-me assim
só por te ter tão rente à capa...vem, grande Sena,
consumir-me todo» - ao que responde o professor
poeta: «- Nestes sinais entrego-te a minha vida.
Também eu deito tudo para o chão
como tu tens deitado a vida...»
E todos os títulos me parecem sábios, velhos
e boa companhia mesmo cobertos de pó
Eu mesma o constato antes de ir para a cama
pois como sempre espreito-os nas prateleiras
do meu escritório a fim de me certificar
de que ainda há muitos por ler
de que ainda há muitos inexistentes no meu cérebro
e pacientes aguardam a minha escolha
a minha miopia crónica os meus olhos
cada vez mais baços para as letras -
tenebrosa infelicidade para a leitora
tão acesa e faminta que fui fazendo de mim -
E independentemente de ser dramático
eufórico poético risível ou sério
eu amo sobretudo qualquer título pousado
verticalmente na estante esguio discreto
que apenas se entrevê à luz do candeeiro fraco
E sei que só por pertencer a uma lombada
e essa lombada a um livro e esse livro a um autor
o ouço como se fosse o amigo mais fraterno
e pego-lhe nas mãos como se fosse eu a consolá-lo
Só compro títulos de amigos espirituais ou familiares
Pago-lhes para serem a outra voz com que falo
e pagaria o dobro nessa transacção sem hesitar
Preciso que essas vozes fraternas me atormentem
Salsugem O Medo oh Al Berto meu querido insano
que as vozes me dobrem a alma a meio me sacudam
oh Herberto d' A Cabeça nas mãos Herberto das Servidões
Tu mais que ninguém serves-me a poesia a escaldar
ferves nas minhas veias com A faca não corta o fogo
Mas também quero vozes que me abracem com
O nome das coisas És tão funda Sophia como mar
E o meu anseio de que me preguem rasteiras
de que me façam cair e sangrar dos joelhos na leitura
de Uma cidade com muralha oh denso Daniel Faria
e a seguir o desejo de que os Poemas de Deus e do Diabo
me cuspam em cima desolados ou então me beijem
para que de estômago contraído e sem outro fim excessivo
adormeça a repetir Onde vais, drama-poesia?
adormeça a repetir os títulos das estantes brancas como LLansol.
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