Tudo se confunde já. Coisas e quimeras.
Samuel Beckett, Mal visto, mal dito
No quarto tenho coisas que por vezes voam
não apenas quando fecho os olhos N ã o
A frieza da caixa de jóias a disparar-se em ouros
capta minha atenção e lá dentro olhos de todas
as cores histórias que li tudo pisca palavras acesas
num único lume E eu quero ser séria e não posso
num único lume E eu quero ser séria e não posso
Recolho essas sombras essas mesmas sombras lidas
que ansiava ter nas mãos dou-lhes tempo para se tornarem
fechadas duras tensas antes de as sublimar num voo
que ansiava ter nas mãos dou-lhes tempo para se tornarem
fechadas duras tensas antes de as sublimar num voo
Antes de tudo deito-as sobre o candeeiro de pano branco
e nelas crio outras sombras mais esguias mais achatadas
(Beckett, não quero morrer ajoelhada nesse escuro
que as sombras têm por hábito estender no chão)
que as sombras têm por hábito estender no chão)
(Nem sou como a Velha que quer morrer que se afasta
da fala para parecer que está definitivamenter morta)
da fala para parecer que está definitivamenter morta)
Agito então essas outras coisas que tirei de mim
Agora quadradas fervem por se lançar no infinito
Agora quadradas fervem por se lançar no infinito
e uma luz dentro de mim avisa-me para um ouvido branco
de pano que parece o candeeiro da mesinha de cabeceira
Um ouvido grande que começa a consubstanciar-se no ar
por cima da minha cabeça e fica à espera suspenso
à espera que minha voz o penetre e fique lá para sempre
iluminada visível E eu cumpro abro os olhos e vejo:
tudo voa e não há sossego no quarto que também roda
à volta da cabeceira da cama a confundir-me com quimeras
que me forçam a abrir a boca a lançar a língua como um jacto
de sangue sobre os livros as telas que estão nas prateleiras
nas paredes como deuses transformados nessas coisas supremas
por cima da minha cabeça e fica à espera suspenso
à espera que minha voz o penetre e fique lá para sempre
iluminada visível E eu cumpro abro os olhos e vejo:
tudo voa e não há sossego no quarto que também roda
à volta da cabeceira da cama a confundir-me com quimeras
que me forçam a abrir a boca a lançar a língua como um jacto
de sangue sobre os livros as telas que estão nas prateleiras
nas paredes como deuses transformados nessas coisas supremas
para enfeitarem a minha solidão solidão boa frente à janela
Arredo as cortinas como a tua Velha mas pergunto
Arredo as cortinas como a tua Velha mas pergunto
O mundo que me quer? Mando estas coisas que me acontecem
dizer-lhe que estou ocupada e dentro do ouvido grande
dizer-lhe que estou ocupada e dentro do ouvido grande
que fico muito tempo lá dentro frente aos tapetes longos
onde estão as folhas escritas por minha mão direita sonâmbula
onde estão as folhas escritas por minha mão direita sonâmbula
irrepreensível nos sonhos que ajeita no papel
mesmo naqueles mal vistos mal ditos
E só sossego, Beckett, quando tudo se confunde já.
Coisas e quimeras.
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