segunda-feira, 25 de março de 2013

[ Pessoas ]


I - HÁ PESSOAS PARA QUEM O PRAZER OFENDE


Há pessoas para quem o prazer ofende
para quem a poesia é um susto
e o corpo tremenda morte.
O poema é um buraco uma lomba
a abarrotar de sentidos de equívocos
de acepções como portas giratórias
que pode subjugá-las à tontura
no meio da rua                ou no meio da cama
e a nudez um assalto à mão armada
uma gruta interdita com paus à entrada.
Há pessoas que têm medo de escutar
pousando o ouvido no ventre         nos versos
e por isso afastam ardores que não entendem
Há pessoas de quem não gosto.


II - É PRECISO TER CUIDADO COM AS PESSOAS


E é preciso ter cuidado com as pessoas
que negam desintegrar-se
que recusam poetizar-se
até que façam análises ao sangue ao siso
e procurem uma cura urgente para
esse nato aplicar-se ao desprazer
esse oferecer-se à censura do possuído
numa moralidade cancerígena
altamente contagiante      altamente previsível
Pessoas para quem o corpo pode ser mote
mas nunca glosa em tempestade ou desvario
Há quem desconfie das pessoas que gostam
de dizer alto palavras esvaziadas de razão
sem saber que lá se encontra a própria cura.


III - HÁ PESSOAS QUE TEIMAM


Há pessoas que teimam
em fechar os olhos à tortura
de não saber o sabor
de retumbantes ausências
de promissoras inconsciências
e denegam o facto do corpo se estender
como um tapete volante para escapar
para se dobrar como uma letra intocável
Não querem ver o corpo encapelar-se
e ser onda             ser poema
dito em voz maravilhada até rebentar
a cabeça  delirante           soltar gemidos
estilhaçar seus membros
em vidros de uma lucidez cortante.


IV - AVISAREI AVIDAMENTE ESSAS PESSOAS


Avisarei avidamente essas pessoas que
o Poema é imagem    
consecutiva              regressiva
constante equidistante             inalcançável
Avisarei que quem tem sentido de posse
exacerbado jamais o poderá guardar em todas
as linhas em todos os pontos e movimentos.
o Poema não cabe nas mãos da avareza
será impossível levá-lo com justiça
ou lealdade para casa
impossível fechá-lo em montras      gavetas
Vou a correr avisar essas pessoas
que a poesia instintivamente voa
e que o corpo se vem                   se ausenta
nessa mesma espiral de matéria
que dessas viagens estranhas ambos
regressam como se fossem outros.
Direi às pessoas que quem os quer
reencontrar num ínfimo repouso
deve invadi-los em premeditada loucura
pois só assim os rastos dos gritos são lagos
onde se pasmam belezas verdades segredos
monstruosidades revelações galanteios memórias
Avisarei já esgotada que só assim a poesia se instala
como um espasmo garantido
primeiro dentro das pálpebras
depois do corpo todo
E que só dessa forma corporizada é música
presa difícil  sombreada  enigmática
tornada vago clarão de gozo em qualquer boca.


Imagem: Michał Łukasiewicz

Sem comentários:

Enviar um comentário