sábado, 9 de fevereiro de 2013

Às mãos


Mãos que não dispenso da memória
que como bichos aguardam a chamada
a minha voz antiga a procurá-las
Por vezes meto a cabeça nostálgica
entre as mãos para rever essas tantas
aproximações sinais que nunca esqueço
marcos que me esperam sempre
e me engrandecem como
ecos de Sophia - mãos interrompidas
Mãos que colheram para sempre
intensos momentos de amor momentos
de escrita desse amor partido em muitos
e lembro imensamente
as minhas mãos cheias de orquídeas
brancas como dedos a chamar esse outro corpo
para junto do meu corpo a um canto retraído
Lembro tantas imagens
eu a cantar eu a clamar os leopardos
de Herberto Helder para me lamberem
as mãos giratórias
A tua língua as tuas mãos violentas velozes
como se as visse num poema maior
a entrarem nas minhas a lutarem possuídas
a avançarem contra os ombros os seios as ancas
em calculadas e sucessivas despedidas
Lembro-as a alastrarem um fogo voraz como
um texto incalculável que não se apaga entre
os cabelos que segurava como chamas
Mãos crucificadas as minhas
quando tu as seguravas abertas a brilharem dois
sóis por dentro da cama por baixo dos lençóis brancos
e eu a dizer mesmo calada que as minhas mãos
não faziam sentido sem o teu rosto a tua pele
a sombreá-las
E as tuas mãos já foram mãos demais para
uma vida
Trémulas fizeram-me nascer gritando a partir delas
Sólidas ainda hoje me desviam entre gestos fortes
das trevas das trivialidades que crescem nos meus
dias como ervas
Enfim ergues num fôlego com tuas mãos
as minhas mãos para que eu siga a minha prova


Fotografia: Peter Lindbergh

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