quinta-feira, 5 de setembro de 2013

[Decidi fechar o corpo a quem passava]


Decidi fechar o corpo a quem passava
Não posso mais conter-me por entrar em mim
Segui para dentro como se me fosse embora
Gosto de me invadir   de fingir que não sou
o que sou presa à minha língua
Parti para outro lugar que ninguém sabe
onde ensaio um conflito entre o que sou
e o meu corpo cansado de te amar
Dobrei o pescoço para chegar aos seios
e foi fácil seguir de perto este guião que fiz
Experimentei uma voz suspensa  muito baixa
para me reconhecer aos poucos   e suspirei
apertei as pálpebras contra o desvaire
que tento avivar mesmo sem público
Gosto de mim desvairada
Gosto das minhas próprias cenas
Dispenso o público com os seus aplausos
ou a rudeza dos seus assobios
Até quando me enrolo no silêncio desta pele
como se fosse aqui uma mera intrusa
gosto de mim assim desvairada nesta solidão
Esta noite não quis que ninguém me chegasse
da rua ou de qualquer lugar fora do meu tacto
E que ninguém batesse neste corpo como à porta
Não lhe abriria nenhum conforto
Quero é falar como uma solitária que dá dó
Encontrar um ponto incógnito na minha cintura
a que chamarei de meu ignoto
e que ele me extenue de falsidades excitantes
que nunca sinto nos dias nem nas ruas onde vivo
Só falta agora um diálogo que lhe dará espessura:

« O amor é um castigo?» - dizes rouco
« É um castigo» - respondo sucinta
«Explica» - continuas lento e muito pouco
«O amor nunca me deixa estar só» - digo com o corpo
« E achas nisso um castigo? ...» - perguntas
«Um castigo.» - repito a encolher-me
« Como é que o sentes?» - perguntas de novo
«Aqui no peito apertado      Aqui em palavras de
 Marguerite Yourcenar que ouvi e nunca esqueci».

Imagem: Alois Zych, Study

Sem comentários:

Enviar um comentário