quinta-feira, 17 de outubro de 2013

[É isso mesmo senhor leitor]


«-É isso mesmo    senhor leitor
o prazer de ler o que nunca foi escrito
não é um prazer qualquer  Não não é
Concordo consigo ... completamente ...
Mas agora leia-me bem  Renda-se ao texto
e pelo menos uma vez tente deixar-se subjugar
Cative-se... isso...olhe mais para baixo por favor
Não se precipite  Não se entregue de uma vez só
Viu o nome da autora? Claro...já percebeu quem ela é
Pode então agora sobrevoar o texto como se andasse
seriamente em busca de si próprio Como? Onde estão
as entradas irreversíveis para estes versos? Como assim?
Obviamente que deve seguir-me no sentido esquerda-direita
E não...não tente entrar noutro poema sem primeiramente
ler este com uma voracidade ininterrupta Eu estou aqui mais do que
noutro lugar Sente-se ansioso excitado desorientado?  Não se precipite
por amor de deus  pelo amor que lhe tem ...a ela... ou pelo menos julga ter
Veja o espaço livre da margem direita  Sim...ora bem...esse mesmo...pare
Pouse mesmo aí o olhar Pode avistar-me e acalmar essa ansiedade indomada
Não queira encontrar nessa urdidura poética os olhos  a boca dela ...Não nos confunda
Pode realmente encontrá-los mas fora do texto  Peço-lhe: não me conceda esta autoria
O quê? Só consegue relaxar se der com as marcas do meu corpo?! Olhe que sou apenas
o sujeito poético desejado por ela ...uma sujeita sim...mas não deixo de ser abstracta
O meu corpo é muitas palavras juntas  cheio de sílabas excitadas por conhecê-lo
Sim...admito...assim...aqui nesta linha recta horizontal negra e intermitente Parece-me
que já estou a vê-lo a chegar os lábios à minha fronte Sim    f-r-o-n-t-e   minha fronte
Pode beijar-me aqui mesmo neste advérbio pequeno  a-q-u-i  sou eu  beije-me leia-me
Nunca pensou poder fazer isto do poema? Quantas vezes me beijou desde que lho
permiti senhor leitor? Não o faça...pare por favor Tenha a humildade de o fazer de novo
apenas amanhã quando me procurar outra vez para me reler e tiver a certeza de que
não sou L.V.  Não não sou Já lho tinha dito no verso nove tratando-a na terceira pessoa
E eu não quero compromisso sério dentro do texto Sim levianamente assumo que
quero ser lida por outros leitores percebe? Superficiais  Atentos  Profundos  Precipitados
Quero que percebam à sua maneira quem sou afinal  como domino a minha artificialidade
Espere...Estou sim? Ainda me vê na folha que tem consigo aí ao telefone? Ainda me lê?
Eu sinto-o sim...continuo morta de prazer mas por agora dobre-me...meta-me no bolso
Não desespere...guarde-me bem...saia pelo canto direito em branco...volte amanhã ...»

Imagem: Antonio Lopez, El Telefono

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