sábado, 1 de junho de 2013

[O rosto da minha avó foi hoje um sonho]

O rosto da minha avó foi hoje um sonho
Encontrei-o por acaso num buraco
do seu quintal    Ela sorria e parecia querer
que eu lhe afagasse os cabelos molhados
da chuva que invadiu aquele fosso
A brancura extrema  dos seus cabelos
encharcados talvez tenha sido o que mais
me impressionou naquela aparição
A sua língua estava inundada e tinha peixes
na boca Com tanta água não conseguiam vir
à tona as palavras Era uma velha sem língua
Não parecia a mesma sem poder falar  
emitir um som meigo   um beijo  mesmo o sorriso
era diferente   embaraçado da clausura
Os cabelos atrapalhavam Eram brancos demais
e matavam todas as outras possibilidades de cor  
E assim não havia ponte para chegar até mim 
nem som nenhum que nos unisse de facto
Apenas o sorriso  talvez um meio sorriso
Apenas a brancura extrema  A água
Pareceu-me ver os meus primórdios naquele buraco
mas mal eu me baixei para a ver de perto
e certificar-me de que era ela realmente
só deu tempo de apanhar um peixe que nadava rente
às gengivas e parecia uma sílaba saudosa ssssssibilante
e os seus olhos fecharam-se. A morte levou-a outra vez.

Sem comentários:

Enviar um comentário